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Tendências da mídia impressa na cobertura de manifestações folclóricas: reflexões sobre a atuação dos suplementos de turismo 1

Antonio Teixeira de Barros 2


Introdução


A cobertura de imprensa sobre as manifestações folclóricas padece das mesmas limitações que os demais temas, ou seja, não podemos analisar este assunto sob um prisma estritamente particular, embora haja algumas tendências que se sobressaem, quando se trata do assunto em exame. É sobre essas tendências que tentaremos discorrer de forma sucinta. São elas: o tratamento performático e a homogeneização das manifestações folclóricas, além da agenda previsível e da adoção da perspectiva do turista. Com isso, ocorre uma espécie de padronização dos fatos relativos ao folclore regional e uma conseqüente fragilização de elementos típicos de uma cultura essencialmente "situada", ou seja, regional, uma vez que é da natureza do folclore a intrínseca relação entre região e tradição.

O tratamento performático


Uma das tendências mais expressivas é o tratamento performático das manifestações folclóricas. Isso significa que, para atrair a atenção dos meios de comunicação, os fatos relativos à esfera do folclore e da cultura popular devem se enquadrar na categoria performance. Categoria essa que, em termos de cultura, deve ser entendida como algo voltado para o momento presente, além de representar algo ligado à atuação e desempenho. A cultura performática está intimamente ligada ao happening, ou seja, algo que se projeta por si, em forma de acontecimento - geralmente um acontecimento considerado tão-somente pelas suas características performáticas.
Ambos (performance e happening), portanto, constituem elementos da chamada cultura pós-moderna (Harvey, 1992). São elementos que se opõem ao objeto de arte em si ou à obra acabada, traços típicos da cultura moderna. Sendo a folkcomunicação um campo que tende mais para o moderno do que para o pós-moderno, podemos inferir que esse tratamento performático da mídia é, no mínimo, extemporâneo.
Mesmo quando se entende a folkcomunicação no contexto de massa, como o faz Roberto Benjamin (2000), é notória a inadequação do happening e da performance. No contexto de massa, segundo o autor citado, folkcomunicação pode ser entendida como a apropriação das tecnologias da comunicação de massa e o uso dos canais massivos por portadores da cultura folk.
Essa cultura, no entanto, não se reduz a seus aspectos performáticos e ao happening. Embora, nesse contexto de massa ressaltado por Benjamin, tais elementos não podem ser descartados. O que não é adequado na cobertura de imprensa é a valorização apenas de tais elementos. E isso é muito claro nos suplementos de turismo, os quais tentam atrair a atenção de pessoas para épocas e momentos específicos, bem como para manifestações particulares, a exemplo das festas juninas da cidade de Campina Grande, na Paraíba e de Caruaru, em Pernambuco.

A homogeneização


Essa tendência traz como conseqüência a homogenização das manifestações folclóricas. É notório que as festas juninas, no exemplo citado acima, são muito mais ricas e variadas. Entretanto, a mídia apresenta como sendo iguais em todo o estado da Paraíba ou de Pernambuco, tendo como base apenas as duas cidades mencionadas.
Na realidade, quando se trata de folclore, não existe homogenização, mas sim diversidade. Toda manifestação folclórica deve ser tomada sempre em seu contexto específico, mesmo quando se trata de uma região, estado ou cidade. Aqui, cabe lembrar Gilberto Freyre (1947), quando ele se refere aos elementos principais que constituem a cultura brasileira: a culinária, a música, a linguagem, o modo de morar e de vestir.
Todos esses elementos sofrem diferentes variações, mesmo em se tratando de cidades ou vilas vizinhas. Toda manifestação folclórica não deve ser dissociada da relação entre região e tradição, uma vez que é da natureza do folclore a particularidade regional ou local. Não podemos falar de um folclore brasileiro único e homogêneo, mas de diversas expressões e formas desse fenômeno da cultura folk.
Entretanto, é comum encontrarmos nos suplementos de turismo uma simplificação dessas manifestações, como se todo o folclore de um país, estado, região ou cidade pudesse ser reduzido a uma ou algumas manifestações particulares. Quando isso ocorre, o que há, na realidade, é uma descaracterização das manifestações folclóricas, as quais não são passíveis de tanto reducionismo e simplificação para atender aos requisitos da retórica do marketing turístico. Essa retórica transforma os lugares e suas manifestações folclóricas em produtos para serem consumidos por indivíduos e grupos oriundos de outros países, regiões ou cidades, como algo capaz de entreter, proporcionar deleite ao viajante.
O marketing turístico tenta padronizar, a fim de "globalizar", essas manifestações e, com isso, fragiliza essa "cultura situada", que é a essência do folclore. Esse enfoque do turismo transforma as manifestações folclóricas regionais em produto de consumo. E isso ocorre, muitas vezes, com o apoio e incentivo das prefeituras e órgãos governamentais.

A agenda previsível


Como o objetivo dos suplementos de turismo é voltado mais para o marketing de lugares, com o objetivo de atrair turistas (e anunciantes), em determinadas épocas e estações mais propícias a viagens, há uma nítida tendência de se reproduzir sazonalmente a mesma agenda, com os mesmos temas e com a cobertura das mesmas manifestações folclóricas. Trata-se, portanto, de uma agenda previsível, como em vários outros temas, visto que se trata de uma característica da mídia utilizar sempre os mesmos arquétipos, clichês e estereótipos, estabelecendo, assim, o que Mauro Wolf (1995) denomina de a "lógica do velho renovado".
Essa tendência reforça as duas anteriores. Primeiro, porque essa agenda previsível deve sempre atender aos requisitos da performance e do happening. Segundo, porque implica pouca diversidade na abordagem, embora haja interesse da mídia em apresentar manifestações folclóricas que são apresentadas como "novas", desde que sejam inusitadas e performáticas. Em outras palavras, tudo deve estar de acordo com a retórica do marketing turístico que rege esses suplementos.

Adoção da perspectiva do turista


É notório que no Brasil o índice de leitura de jornais é muito pouco expressivo. Esse índice é ainda menor se considerarmos especificamente os suplementos de turismo. Isso significa que os agentes legítimos das manifestações folclóricas não fazem parte desse seleto universo de leitores.
A cobertura de imprensa sobre essas manifestações, portanto, tem como foco os interesses precisos de quem faz turismo no Brasil. Isso, de certa forma, explica as tendências até aqui apontadas. Esses leitores dos suplementos de turismo, ou seja, turistas em potencial, fazem parte de segmentos sociais que não estão em sintonia com o processo de produção das manifestações folclóricas.
Em geral, são pessoas de relativo grau de instrução e poder aquisitivo, são habitantes de médios e grandes centros urbanos, estão inseridos no mercado de trabalho e fazem parte de um universo cultural distinto daqueles onde são gerados os símbolos e representações da cultura folk.
Essa cultura, no passado, fazia parte de contextos estritamente comunitários, nos quais os chamados "líderes de opinião" exerciam influência cabal, como demonstrou Luiz Beltrão (1980), pioneiro dos estudos de Folkcomunicação no Brasil. Só que, atualmente, os cenários da cultura folk são cada vez mais diversificados e susceptíveis às influências da indústria cultural.
Assim, temos, nos suplementos de turismo de jornais, um tipo de leitor que pode ser incluído na esfera de receptores de informação que estão inseridos no âmbito dos que usam a informação para a tomada de decisões, para a orientação de atividades empresariais, industriais, políticas, financeiras, culturais e turísticas. São os leitores que fazem parte da chamada "sociedade do conhecimento" e do "capitalismo informacional" (Castells, 1999).
Quando viajam para lugares, motivados pelas manifestações folclóricas típicas, essas pessoas procuram principalmente entretenimento. Além disso, elas estão, geralmente, em férias, ou seja, estão usufruindo de folga remunerada, ou seja, estão fora de seu tempo de trabalho. O tempo livre constitui, assim, um dos eixos do discurso e da retórica do marketing turístico.
De outro lado, temos a esfera das pessoas de pouca instrução, desempregadas, subempregadas ou com empregos médios, que residem, sobretudo, nos cinturões suburbanos ou "rurbanos". São indivíduos que, além de serem excluídos da "sociedade da informação", não dispõem de recursos para fazer turismo. O seu tempo livre é utilizado para participar de festas religiosas ou folclóricas de suas comunidades, que são mostradas como exóticas e inusitadas pela mídia.


Comentários finais


As tendências aqui apresentadas são apenas algumas, entre tantas outras que poderiam ser destacadas. Todas elas apontam para uma tendência mais geral e mais ampla: a apropriação das manifestações folclóricas pela mídia com fins estratégicos e instrumentais. Essa apropriação implica "colonização" de elementos da cultura folk pela mídia. Com isso, ocorre um empobrecimento e desvirtuação da cultura e do folclore regionais. Empobrecimento porque nenhuma manifestação é mostrada em sua real dimensão folk. Desvirtuação porque o discurso construído pelos meios de comunicação presta-se, sobretudo, a atender às estratégias de persuasão da retórica do marketing turístico, como já foi ressaltado anteriormente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados. São Paulo: Cortez, 1980.
BENJAMIN, Roberto. Folkcomunicação no contexto de massa. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB. 2000.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. V.1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos da formação social brasileira como processo de almalgamento de raças e culturas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Edições 70, 1995.

NOTAS

1 Texto elaborado com base nos apontamentos para a intervenção do autor no painel "O tratamento das manifestações folclóricas nos suplementos de turismo dos jornais diários e revistas especializadas", coordenado pela Profa. Samantha Castelo Branco, da Universidade Metodista de S. Paulo, na III Folkcom (Conferência Brasileira de Folkcomunicação), realizada na cidade de João Pessoa-Pb, de 26 a 29 de junho de 2000.
2 Professor do Curso de Comunicação Socialdo Centro Universitário de Brasília-UniCEUB


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